quinta-feira, 19 de novembro de 2009

um boa noite sem dormir

E então, eles voavam para fora mesmo? É, é verdade, eu os vi cochichando que sairiam cedo, quase de madrugada ainda, por gostarem do fresquinho do vento no rosto - você num ouviu não? E parece que vamos também, cada um prum lado do bosque. De repente a gente se bate né? Conforme for, até toma um café na esquina, uma moeda trocada prum jogo de carteado, ou vai juntando a aceitação de mansinho, até virar criança feliz de novo. Que acha? Me deu uma embolia esses dias, um revertério nas veias, uma coisa meio estranha de se ver; sem querer fui alardeando meus ouvidos, de que estava ouvindo certo mesmo, de que o pássaro bica de um jeito quando quer algo, e de outro quando quer outro algo, e que olha de jeitos mais anômalos ainda pra pedir socorro ou calor - e muda bastante, se for reparar. E num é que antes ainda tinha uns pingos de crença batida, já surrada, nas costas, pra ajudar? Tá, posso dizer mesmo não que não mais tenho, porque estaria é mentindo, mas é tão quase nada que nem dá graça de falar. Num papo desses em que escutava já o periguinho amigo vindo, eu vi mesmo foi - foi uma ternura á mais que nunca vejo, nuns olhos outros que não para cá, e daí tive só que deixar em paz as coisa como estão e nem mais enervar ou coisa assim. Ah, dizer preciso sim, que hoje mesmo meio que corta ver as mãozinhas lá juntas, mas é só olhar pro outro lado e rezar pra que passe logo, que passe logo... e ninguém entende mais nada. Sabe de uma coisa? Canção que é bom mesmo. Pega uns dedinhos, põe um balançar e daí já se tem alegria na hora, prontinha pra ser comida, e nem dói em ninguém - porque é coisa inventada que não é nunca nem tirada de braço de outra pessoa, então já é mais bela. Mas vem o cansaço, dono. Sabe, tem o tico-teco-reco que bate o dia inteiro e analisa e calcula e pestaneja e todas essas coisas assim, que fica tentando achar resposta num braço esticado pra cá, outro pra lá, e vai-e-vens - mas tudo bem traduzido em número e palavras - e se for pra dizer a verdade agora, perdi o fôlego. Não é que seja o caso de deixar as coisa vir em forma de intuição? Deve ser, creio que sim. Então olhe só um segundo: estou indo ali áquela pedra alta, donde se vê mais o mar e as colunas verdes de árvores novas, pra me sentar e conversar mais com o vento e com os meus pés que pisarão nos pedregulhos marinhos e vão me causar muita diversão. Bicho, moço, selvagem, deve ser, sim. Que até pensa umas coisa a mais. Deve ser. E daí, se os pássaros virem bater as asas nos meus ombors, se começarem cantar cantiga bonita e começarem a me fazer mudar o pensamento, tudo bem. E se depois ainda, forem embora sem nem dar um vento de brinde no rosto nem nada, eu vou me esforçar para sentir um tudo-bem dentro de mim também. Prometo. E se forem pra outra pedra, e se forem nadar, e se forem cegos e se quiserem mesmo só brincar ou coisa assim, terei de tentar que fique um tudo-bem por perto e eu tentarei, promto. Tá? Prometo mesmo que vai ralar um pouco menos a friezinha intrínseca dos pássaros que habitam a Terra inteira. Prometo sim.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Dê um jeito

Dê um jeito de defeito no caráter sóbrio, tão delicado e bonito, por favor. É que um punhado de flores me adestra, a picados e socos e fôlegos batidos, e hoje mesmo, agora, desde ontem e anteontem e desde que eu me toquei, veio batendo um cansaço e tornei-me dócil por fraqueza, por ter sucumbido á essa grandiosidade tua. E mesmo sem eu querer, existem limites, de repente; como no caso do limite da lâmina cortando a carne, e duma mão tocando uma pele, e dum ato escancarado, que por vontade, descuido, ou cegueira, fere. Foi naquele dia mesmo, que eu, por relutância ou enganação, quis pensar que tinha visto errado, e que podia confiar em mim mesma - mas não, estava tudo certo: eram olhos ardendo, com vontade de abocanhar outro algo bem na minha frente; os mesmos olhos outrora tão sutis que vejo. E daquele encontro que um dia tive, e que dele tirei coisas pra se lembrar sempre, veio-me a lembrança do ouvido: não duvide tanto de sua percepção. E pronto, por pior que seja, é bom aceitar, e ás vezes também é pro lado bom, como tudo. E eu sou bicho-grilo, sou de me retirar, sou mais assim do que batalhadora, não gosto de ficar tanto mais na cara da guerra, sentindo os tiros baterem nos braços, nas pernas, no corpo inteiro e lá ficar, firme e forte. Depois de tempo grande assim sendo, virei peregrina, e se onde estou me machuco, crio coragem e vou embora, e tudo que deixo - se deixo - é uma pequena parte em alguém, e nada mais. Pequena parte a ser lembrada de vez em quando, em horas que só aquele jeito se encaixaria, e então mencionam o nome e voltam a viver. Mas não importa muito, não deve importar. É talvez duro virar duro, e seco o modo como a vida faz dela mesma uma caminhada cautelosa: um pé grande pisando num espaço bem pequeno de uma linha e embaixo e dos lados e em cima, só vazio...e lá bem no fundo, um chão, uma água, um nada onde se cai. E somos então equilibristas, e só isso, desse jeito. E ninguém dá as mãos. Senti isso, como não? Porque é tão mais espaço ausente que outra coisa, e a gente também é muito ausente em tudo, e não consegue alcançar nunca o outro - é longe demais. Mas obriga-se que seja assim, fazer de que forma então? Eu sei do muro, e da dificuldade de visão de todo mundo, e da falta. Foi que descobri mesmo o problema nosso: a falta. Lá no alto perto da Lua, mesmo com céu nublado laranja e sussurro já alto do vento quase frio, pensei que somos mais pueris que as crianças: a gente se esquece e deixa pra depois; em vez de abraçar e preencher os espaços, fazemos de bom grado (ou de bom medo) uma teia de argumentos sérios a convencer-nos de que não seria adequado, agradável, oportuno, certo, ou bonito. E a gente vai se deitar. E vive menos sempre menos do que podia viver. É porque falta, falta sempre. É mais que isso: falta muito. Pois bem, agradeço os lenços. Gosto de sentir as lágrimas fazendo cócegas no rosto, e gostei de ouvir o menino dizendo "estou olhando pro seu rosto agora" - pareciam palavras belas. E isso vem ao caso sempre: as pequenices. Posso me lembrar das pequenices que são potinhos cheios de vastidão que chega sem ter avisado, e mesmo sendo pequena, é gigante. Pequena vastidão. Foi tanto assim durante as poucas aulas, em que vi crescer uma docilidade num ser arisco, e deixar eu entrar só por deixar, sabe-se lá o porquê disso. E também por eu não ter esperado ou pedido nada, e era como o que se sente ao ser anestesiada e sentir os sentidos se apagando mas também tanta tranquilidade jorrando e ainda a possível música tão nítida e pescável nos ouvidos. Talvez por ter enxergado a grande beleza maior só depois, quando já podia vivê-la, quando já tinha permissão para tocá-la. Talvez coisas singelas assim sejam melhores; melhores do que esta ansiedade e este golpe e esta mão na goela, que sufoca, arranca pedaço, tira ânimo. Porque já enxergo uma grande beleza maior muito forte e fresca, e tenho de ficar perto todo dia por curiosidade e por um quase-toque dito - que é mais cruel do que um não-toque. Então fica como no mito de Prometeu: Zeus o condena a ficar acorrentado, com uma águia a lhe roer o fígado todo dia, e todo dia, sempre de novo, pois o fígado se rejenera depois de comido. E não é assim? Construo uma ternura e tu comes e deixa um buraco no lugar, onde nunca fica, e no outro dia, depois de construir de novo a minha ternura, tu vai lá e arranca-a de novo, para torturar-me - sem nem ao menos saber, pois que talvez tenha sido ordem de Zeus, e só porque contei a ele que os filhos lhe trairiam. Justo, nada justo. E ainda, ao invés de fúria, tenho melancolia e um sono e uma preguiça bruta de te ver e de deixar de te ver. Não há modo de se entender. Só preciso, acho, vomitar choro, no colo de alguém. Ou quem sabe de um olho que pergunte: estás bem? E quem sabe, depois passe. Quem sabe só, porque essas coisas nunca passam de mim - chegam, entram, cavucam, ficam. E não necessariamente se retiram, só se calam. Dá só um pouquinho disso aí teu, e acho que talvez já esteja bom pra eu ir embora. Pra ir embora, sim, porque ficar não tem como. Estou berrando, e o sonho foi maldito. Sabe como? Tinha outra pessoa também, que merecia o calor, e eu não, não pude ganhar, não. E ainda quando saí olharam assustados, mas não abriram a boca pra impedir. E depois tinha também a obrigação de ouvir e estar com quem não queria, e enfrentar o não-acessível como se fosse se tornar acessível. E é por isso que eu te peço: dê um jeito de defeito no caráter sóbrio, tão delicado e bonito, por favor. E perdão: eu sei que é profundo egoísmo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

cuspe rápido

Não tem resposta. Mentira, mentira, mentira. São carros lá na rua, e pessoas fumando, e eles olhando sempre pro mesmo lado, cruéis e pequenos e fúteis e machucadores como sempre. Obrigada, venho dizendo agora e mais depois: pois perpetuo a idiota esperança, que, de vez em quando, é fiel tanto quanto eu. Pois que estejam atolados correndo em direção ao que lhes é mais barato, e eu agora arrumo as troxas e sinto vontade de pegar a estrada sem piedade - e sumir até que percebam tarde demais e não tenham mas como correr atrás. E então que no dia eu possa lhes dizer: pecadores. Já que pegam o meu peito já vermelho-vinho, amaçetam com toda minucioside de um cirurgião e vêm dizer com voz doce um "olá". Já que fingem tanto quanto atores bons um simples afeto sincero e logo mais, além, dois minutos depois, são capazes de fazerem o que a humanidade teve o mesmo prazer de fazer a vida inteira: repetir. Sem dó nem piedade. Sem olhos nem nada mais. Incapazes, idiotas, cegos, novos, burros. E covardes. E fracos. E IGUAIS. Grite então com em tom alto: danem-se! Que caminhem assim do mesmo jeito como quiserem, que percam algo, muito talvez, valioso, sem querer, por falta de vida.

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Mandei uma mensagem ao tempo, pedindo-lhe demissão. E as regras dadas foram depostas, então. E eu pedi minha exclusão da secretaria que corre e anova, raiva,ta, e se acovarda diante de vida verdadeira de terra-ará dada a todos nós. E eu pedi um não-reloógio que não marcasse horas nem meses nem folias nem amores nem encruzilhadinuas - eu pedi só caderno de folha mesmo que servisse pra anotar tortamente os vividos.

(sono, sono, sono... e raiva, raiva. Querendo ou não, hora agora ou mais além, grito será vomitado feito jato.)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Pequenina, então pode voltar.

Volte pequenina, volte. Lá no fora, lá já no bem longe fora, tão longe quando a cá estás, enxergo agora de novo a revolta, e o cabo entortando e prendendo minhas asas, porque nesse momento o fora é mais perto, e não tá bom. E olhe com o que me deixa quando sais: deixa-me com a inquietude e a procura brusca por um algo transparente, que nem deve extistir - deve ser mais um truque da trupe na tentativa de estirpar minha calma. E me deixa também com a bambeolidade típica do jeito que aprendi a ser a vida inteira, com o seja-redonda-caso-queira-afeto e no caso, isso tá causando tempestade aqui pra mim; o sangue tá indo pra cabeça de novo, deixando tudo quente, e a impaciência e a raiva e o grito e o medo e a escravidão estão brotando feito praga. Ora veja bem, acabei de telefonar ali pro lado, e já antes e já agora novamente, tive o receio de dizer coisas, mas disse, e ao invés de deixar o possivel erro ir pastar, não: deixei-o se alojar aqui no peito e enfernizar minha sala serena. Tô quase com medo de olhar nos olhos, com medo de abrir a boca, com medo de receber vácuo como vem sendo sempre - e esse medo eu já tinha espancado e largado em canto sujo qualquer, pra ver se não volta mais - mas eu tô permitindo ele se levantar e eu não sei por quê. Será que foi pela manhã? Será que a nojeira veio se achegar em mim por eu ter visto e entrado onde não queria? É, então eu te conto tudo como foi: eu entrei num lugar cheio de cabeças em baixo de nuvens escuras que tão se massacrando a troco de receber algo em troca, e tão lá escrevendo, lutando, morrendo pra botar tudo - tudo que nunca lhes interessou - numa mala de plástico, que rasga bem fácil, e levar prum terreiro cheio de esterco, que cheira porcaria, se ajoelhar e pedir para os reis da cocada preta, encostando a cara no chão, por passagem. E sabe, eu passei um tempo bom fazendo jus á vida que me deram: aproveitando. Mas eis que chega o papa e me diz que isso é coisa errada, pois que o que nos deram foi labuta que é mais missão e trabalho que palco, e eu só não consigo acreditar nisso. Que coisa estranha essa nossa, não é? Você, que não habita muitos, pequenina, muito bem deve saber: tá tudo ao contrário e ninguém reparou. É um procurando a resposta no alto, outro inventando números, o de lá aumentando os muros, esse de cá rabiscando gostos...quando a verdade deve ser meio em outro jeito - os riscos tão mais simplezinhos, igual aos esquilos pulando de galho em galho e as sementes virando frutos da semente que eram. Então, volte, pequenina, volte pra cá para casa. Acabei de passar na rua e ouvi uns músicos tocando, e umas pessoas ouvindo, e uma criança loirinha só vivendo, e me veio á cabeça que, de repente, tem espaço limpo pra você de novo. Pra se achegar e tirar fora o piste grudento que tá me ameaçando, atazanando a minha vontade. Não era isso que tinha me ensinado? Que apesar de tudo, apesar da falação dos palanques e dos pais repetindo que é preciso obrigações e coisa e tal, e dos professores, e dos jovens, e das conformidades, e das calamidades, e das frustrações e pacotes e mais pacotes e mais fumaça cinza, apesar de tudo isso, deve-se ouvir a voz bonita e o sol amarelo, e abafá-los no ouvido e fingir que escuta o resto, só pra não chatear mais ninguém. E daí ficar nesse gramado verde mesmo, plantando os sonhos, se alimentando da própria vontade, buscando bondade, importâncias importantes, o zumbidinho brando sussurrando sempre que a vida acerta a vida e nada mais. É, pequenina, pra mim tá cada vez mais claro: o meu negócio são as pessoas. E você, que se chama paz.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Disso(e) que tem pra vi(m)ver

Melhor me acusar de viajante que de fugitiva, pois que ladro em todo bairro e vô embora pra poder não sufocar e não afoitar ninguém nessa vida, mas ter um golinho de exuberância vivida também, sem faltar. É que todo romance tende a ter dor ou machucação, mais é mais certo que tédio seria - bem que tédio e romance nem a mesma coisa podem ser - e então essa romaria que vem me acontecendo já arde bastante pra poder ser esquecida, e daí causa judiamento, mas vá lá, ainda serve de alimento. Ô seu moço, só lhe digo que me apetece por demais, e a raiva cresce mais nunca, porque é questão que não existe - essa de ódio habitar mesmo lugar que afeição - então o que fica mesmo lá por dentro não é a dureza que ás vezes tento mostrar na bandeja em exposição: fica de certeza uma baita de uma carícia oceânica que nem fim há de haver, que tá necessitando de se concretizar. Entende a gravidade da coisa? É que é mesmo vontade de comer, vai saber, ora pois? Explico assim uma resposta mais sábia pro rumo melhor: ficar junto no mesmo lugar, tá bom não? É dom mesmo que tu tens de confundir os bichinhos da minha cabeça, e daí acontece que vô então emburrecendo todo dia mais um pouco, quando ao invés de pensar em frasco, penhasco, planta, rabanada, couraça, marca, pistola, granola, gripe, estirpe, me ponho a pensar no'cê, e dum jeito pra lá de cheio; em verdade o cê cai meio bruto no pensar de uma guria fraquinha demais pra aguentar beleza grande dos robustos desse mundo. Mas o dizer que ia dizendo é esse: no sincero, o moço vem dando ás vezes desgosto, c'esse tampão na boca que puseste, e outras horas dá um tiro bruto de felicidade nessa minha pessoa ao falar coisa pequena que seja, e isso é que digo estar abrindo e torcendo todos pensamentos. Acontece que tem outra ocasião: tem quarto aqui pro'ce todo momento, por mais que passe tempo e ache depois que eu já tô em outro caminho longe, viste? Ora, tem sim, acho que pra sempre. E é como eu ia dizendo mais no começo da recitação: ficar junto, pode ser? Vamo esquecer das coisa difícil, das horas trabalhadas, da maturidade mentida e toda chateação de gente que não tem gosto por alegria e vamo então caminhar cada um com seus passos tortos mesmo, até chegar num bairro brando e aquietar poltrona, e daí viver disso que tem pra viver: um do outro.