segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Ainda bem.

"Se, a princípio, a ideia não é absurda, então não há esperança para ela."
A.E

clareamento

Então já sei. Ainda fico muito brava com algo que tenta mandar em mim. E eu talvez fique assim, muito brava, por, lá no fundo, achar que isto pode mesmo mandar. Se eu não achasse, não daria importância - só ignoraria.
Certo. Próxima barreira a ultrapassar...
"- Na verdade, a gente está sozinho, sempre, sempre, sozinho. Não tá, não? Olha, eu ás vezes penso que encontrei a saída pra essa coisa de vida, mas já uns tempos depois, despenso. Eu odeio essa coisa de não saber de nada, mas no final mesmo, a maior alegria do mundo deve ser conseguir aceitar isso, aposto. Pois agora, se for pra usar sinceridade, digo-lhe bem o que se passa em minha cabeça: fico triste com a tristeza. E também com esse papo de agressão - por que é que a gente faz isso?
- Que diaxo, quanto mosquito!
- É, um monte mesmo, zumbindo no meu ouvido. No meu! Vê se pode: que egoísta! Isso que eu queria: aniquilar meu ego, pra ser mais livre que tudo. Isso mesmo: que tudo! Olha aí, nem sei me controlar... mas eu queria muito isso. Sabe de uma coisa? Eu tomei um tapa monumental na cara. E foi agora pouco, e há muito tempo também. Na verdade sempre tomo esses tapas monumentais, e me trazem de volta ao centro do tornado. É assim: por bobagem pouca, acontece. Uma tentativazinha de controle emocional serve pra me enfurecer compulsivamente, e até lágrima sai. E ontem, e hoje, e anteontem, e assim vai. Que coisa, quando percebo, parece que tem um bicho mordendo meu estômago, provocando mais que qualquer coisa, e daí eu viro um bicho igual ao que tá me mordendo, e pulo pra rancar pedaço. Mas é tão estúpido! Porque depois começo a sentir duas dores: a do estômago e a da mordida, mas dói, dói bastante mesmo. Puxo tudo, engulo, faço uma massa marrom feia, e deixo alojada em algum lugar misterioso que não sei. Essa massa marrom, no caso, está nesse momento com um espaço grande dentro de mim, porque o bicho se aquietou, foi descansar, e deixou o esterco, que é essa massa. E sabe do pior? A massa, que é feita de angústia, raiva, medo, ignorância, tem até um nome - o mais horripilante de todos - : culpa. Chato, né? O porquê do "chato"? Porque eu já tô vendo com calma o estrago causado. Num é assim? Quando passa a chuva e não tem mais a neblina e o vento e a confusão embassando a visão, e daí o campo fica limpo, é que dá pra ver o rebento todo. Uma bagunça feia que só. Puxa vida... e agora tô pensando que sou toda a massa marrom feia, sem sobrar nada mais que isso em mim. Mas tô vendo sabe o que? Que o pessoal lá fora é bonito sim - e muito - e que massas marrons feias não podem nunca tocar coisas belas e límpidas por natureza, por mais que tenham por essa a missão de suas vidas. Tô então também com raiva disso, mesmo que no normal das coisas seja sentir tristeza quando se é desprezado... mas, já nem sei se ligo, não. Uma coisa é certa: sou á parte. Á parte dos sorrisos bonitos, da alegria dos correspondidos, das aventura verdadeira do mundo. Resolvi virar um cão desgarrado pra não sofrer mais com isso - considerar-se nu é bom, sim, sabe? Porque se não tem roupa alguma, por que se preocupará em perder uma? Ou melhor ainda, em estar despido na frente de um monte de olhos encapados? Certo? Em teoria, muito belo mesmo. Mas o que acontece comigo é que eu conto em segredo agora: ás vezes, sem eu nem perceber muito bem, fico comovida. Com o braço do menino que está levando por bondade a menina para casa, ou aquele lavando um pano! E a garota que gosta da frase "Uma casa sem gato é igual a um aquário sem peixe", e que diz lindamente assim: "isso ficou gravado muuito lá dentro, no meu tímpano! É, é..né? Porque daí a gente fica ouvindo o tempo todo e nunca esquece..." "

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

dentro da bolha não existe erro

"-Já era hora. Esperava-te com ansiedade, não por qualquer sentimento diferente disso, era só essa coisa na forma genuína. É que prometestes me contar a história da Florbela selvagem, ou como era mesmo o nome...?
-Querida, não importa mesmo o nome. E te conto, ainda que seja já pouco tarde para lembrar-me de tudo como deve ser contado...
Morava numa árvore, que era pequena, mas pegava muito sol. Gostava das sereias, e especialmente da parte em que Peter Pan mostrava a Terra do Nunca a eles; e também do macarrão circular, com um molho de tomate em cima, comido na mesa pequena da cozinha. Gostava também do lençol de florzinhas roxas, e da única folha ali em cada uma delas. Sabe quando foi a primeira vez em que pensou na morte? Ainda bem nova, enquanto deitada sozinha na sala; bateu-lhe um pânico grande naquela hora, como se tomasse a consciência de fim, mas junto com isso, veio-lhe também o pensamento sábio de que estava verdadeiramente longe de acontecer, e que ainda tinha muito tempo para fazer o que quisesse. Não gostava do feijão da escola, nem, muito possivelmente, de ir á escola. A única coisa que talvez atiçasse sua curiosidade era a parte boa das gêmeas: não Lígia, mas Lívia. Como podia? Uma percebera o seu medo, e pusera-se a cutucá-la sem muita dó, talvez por pura diverção ou coisa assim; fazia bem como um bicho faz quando percebe que outro não sabe se defender - que coisa estranha ás vezes é a natureza, um mais forte sem querer se torna mais fraco justamente tentando ser mais forte; vira derrotador dos fracos, enquanto que estes aí, aprendem ainda além da força, uma coisa mais valiosa: a olhar a vida debaixo e ver, por baixo também, como que usando uma lupa, tudo que é detalhe bonito e pouco enxergável a olho nu. E Lívia era distante, a parte desgarrada que não estava nunca perto, a possibilidade de algo que veio do joio poder ser bela e que, se não falhava-lhe a lembrança, vez ou outra oferecia qualquer coisa que pudesse significar amizade. No mais, de todos aqueles dias sentindo-se afastada de si mesma, aprendia a ver o Mundo com a boca fechada. Mas não era ruim. Transformava-se naquilo que pode-se ser muito valioso em alguém: numa alheia. Tinha sua bolha que protegia bastante, sabe como? Criava uma companhia pra si mesma - e não é esperto isso? Ter um lugar onde o que importa mesmo e nada mais é a própria noção da vida. Porque vai que quase ninguém percebeu ainda que o jeito felicíssimo de se viver é inventando uma felicidade do além? É, querida, a gente corre o risco de ser a vida inteira sóbrio e nunca conseguir entrar nas águas da beleza, porque se tem uma coisa certa, é isso aqui que lhe digo: se você não inventa umas coisas e outras, como essas pimentas aí que caçaram no mato, a realidade fica insossa. Não é triste, não. A coisa é que, já que somos mesmo inventados, então a felicidade tá aí nesse lugar: na invenção. (...)