quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

cisco no olho do mundo

"O desejo sincero e profundo do coração é sempre realizado; em minha própria vida tenho sempre verificado a certeza disto."

Tem um cisco no olho do Mundo, não tem? Eu sei que deve ser isso. A vista fica toda embassada, daí a gente que dorme e acorda todo dia assim, fica na dureza de achar que é a coisa mais normal de todas. E então feito cabra cega entristecida e emburrecida e enfurecida pelo medo do pretume, esbarra em tudo, em tudo, e ás vezes corta, arranha, quebra costela, veia, cabeça, coração dos outros - e na dureza de achar que tá fazendo a coisa mais normal do mundo. Agora tô aqui pensando bem, por que diaxo que tem que ser assim, e não me cai tão rapidamente nada no pensamento - nem um fiozinho de resposta - pra apaziguar esse barulho remoedor que tá batendo, batendo, tum-tum-tá-tá-tá-tá. Tem uns tempos que a gente se permite estar magoada, daí as pernas ficam tão molinhas, dá uma quentura ruim e uma tontura também, um pouco de raiva, de ansiedade, de medo, de tristeza, de vazio...de que mais? Feito um abandono, um corte seco de alguma coisa boa que resolve ir embora, e vai. E vai bonita, ainda por cima, e deixa um casco meio sujo, meio fosco, quebrado, feitor de delitos. Um casco até maldoso, que bate bastante na clavícula nossa sem muita dó, sem muito bondosiar. E daí o que fica em mim mesmo, é um algo no dentro, que sinceramente parece tempestade, ou bicho cheio de dentes. E morde, morde, morde o dia inteiro. Martela a existência lá em cima, na cabeça, também, o dia inteiro. Se mexe e se remexe, de um lado pro outro, pra gente bambolear ainda mais na frente dos outros, e todo mundo notar. Coisa ruim essa. E tão não compreensível, tão feia, por assim dizer. E ai que culpar não é bem a precisão do momento, não é, não. Isso tudo é o tal do cisco - tenho muito pra mim que é isso mesmo. Um cisquinho pequeno grande atrapalhador. Ele que faz o pessoal ficar e não ficar, usar a língua pra dizer umas coisas e depois também apagar as coisas, com essa mesma língua - que, no caso, oferecerá uns vácuos de vez em quando. O cisco é que faz um sorriso se desabrochar cínico, uma palavra soar grosseira, uma mão ser levantada para um corpo. Uma eternidade de não-respostas ser jogada na platéia ansiosa que é uma pessoa. É o maldito do cisco. E também - também tenho pra mim de jeito forte - que tem outra coisa no meio; também tem a distância. A distância entre nós. Entre eu e você e eles e meus pais e meus amigos, entre eu, eu, e eu e você aí dentro de você, tudo junto num mesmo lugar, sendo possível isso mais vezes - porque ás vezes percebo que é possível de vez em quando. Distância entre você dizer uma coisa e eu ouvir e eu dizer e você ouvir e você chorar e eu querer chorar no seu lugar e isso acontecer com você também. E eu querer saber da sua vida, de verdade, e você querer saber da minha - de verdade. E eu fazer perguntas sobre a sua infância e você responder e também perguntar porque tem muita vontade de conhecer quem eu sou. E passar umas tardes olhando para os pés, e eu poder tirar o sapato pra que durma melhor e ter a certeza de que faria o mesmo, mas nem se quer pensar nisso, porque te fazer mais alegre me torna muito mais alegre ainda. Uma distância maldita mesmo, que deixa todo mundo sozinho em algum lugar que eu não sei, nem você, nem ele, nem nós, nem muito menos as autoridades sabem. Essa mesma que deixa uma pessoa normal olhar para uma triste e não se importar, porque está longe e intocável a qualquer tipo de qualquer coisa que se possa chamar de emoção. A distância de não pegar na mão de ninguém, nem de olhar nos olhos de ninguém, nem de deixar a voz ser gravada no ouvido de ninguém. É um acanhamento isso, isso tudo que eu faço mas que todo mundo - ou quase todo mundo - faz do mesmo jeito. Uma coisa de gente encurralada e amedrontada por algum motivo. Coisa da coisa nossa mesmo: coisa de cachorro arisco, defendendo-se de algo. Ou também coisa de quem nunca teve coisa boa e não sabe como se faz pra fazer coisas boas e bonitas - ainda que o faça meio que exporadicamente do nada. Eu percebi isso. Por que é que você disse "primeira vez que alguém se preocupa com a minha vida..."? E por que é que ficam falando "anjo, anjo, anjo"? Eu sei, tá? Eu sei que vocês gostam e querem isso, isso de querer estar perto, por pura vontade e solidariedade. Ou por puro não-entendimento que é o amor. Ás vezes vocês são feras mansas, mas é porque passou-se um certo tempo pra chegar a isso. E depois, com uma espécie de memória de pomba, esquecem-se da moleza de peito e voltam a ser a estrutura fechada de antes. E é bem nessa parte que dói. Dói pelo jeito que essas coisas são; uma hora atrás, uma beleza, tão tão bonita que só podia ser verdadeira - não seria possível algo que não se é assim por natureza, ser interpretado com tanta maestria. E na outra hora, ou uma capa preta escondendo a cara bela, ou um sumiço - ou derretimento - daquilo lá. Mas agora já tá passando. Já tá passando porque eu sei que isso é assim por enquanto, só. Só até eu e alguns eus a mais do mundo mostrarem que o bom mesmo é não ter memória de pombo, e tentar ir tirando o cisco do olho devagarinho, mas ir tirando - pra não bater em mais ninguém, não ferir, não machucar, sabe? Tá, também sou esfaqueadora, eu sei. Mas com o tempo tô perdendo isso, porque tõ com muita, muita vontade. E ah, não tem problema, não... acho que sou meio cahorro burro e fraco, mas bem fiel ao dono - mais do que deveria - : por mais que espanque e maltrate bastante, nunca vou embora, não. Tenho precisão do'ces, é, tenho mesmo. Mas amor, muito mais. Muito mais...

Nenhum comentário:

Postar um comentário