"Eu não cheguei ao âmago de nada. Não fui agarrando as coisas, nem com as mãos, nem com os pés, nem de jeito nenhum. Eu só fiquei, por perto, assim. E não dá pra dizer como também. Foi só...de algum jeito. Ah, as coisas foram se arremessando, depois se fixando, depor melhorando, depois ficando delicadas, e depois bem brutas, e depois amargas, e depois vagas, e depois mais vagas, e depois mais vagas, vagas...vagarosas, distantes...perdidas. Até que se perderam. Por aí, talvez. E talvez não de vez, sabe? Porque alguém disse 'tu te tornas eternamente responsável por tudo aquilo que cativas' - sublinhando o eternamente. Então talvez esteja alguma coisa ainda vagando no ar - por mais que a perda tenha acontecido de qualquer modo, e aberto algumas vagas -, sim, talvez alguma coisa ainda esteja voando. Qualquer coisa, é só ela pousar em algum lugar, quando quiser, ou quando puder, ou quando simplesmente...pousar. Como a borboleta amarela que eu vi voando dentro do supermercado - sim, dentro do supermercado! - naquele ambiente cheio de plásticos, cores, potes, marcas, preços, valores, incômodos, durezas, confortos, delícias, produtos - lá quis entrar a borboleta amarela leve e quis pousar em cima de uma prateleira qualquer, e quis deixar que eu visse isso, e quis voar de novo depois. Então foi assim, mas como que ao contrário, meio a meio e ao contrário de novo: quis ver, quis se aproximar, o Mundo de várias coisas rudes e também fortes e também afrontadoras, num Mundo mais sutil e mais fraco e mais forte também e mais preocupado com o sorriso do que com o beijo - ou não, ou, também. E daí o Mundo rude mostrou que voava de vez em quando, e podia mostrar as asinhas amarelas de vez em quando, mesmo que fosse num lugar desconhecido - no caso, no Mundo sutil que era menos afrontador do que os Mundos que o Mundo rude costumava frequentar. E então os olhos do Mundo sutil se encantaram com o modo com que as asas amarelas do Mundo rude eram bonitas, tão sem querer e tão fáceis...tão facilmente bonitas. Mas, por causa do vento, ou por causa dos dedos do Mundo sutil que quiseram tocar nas asinhas, o Mundo rude resolveu sair de perto - como que sair da prateleira e ir para outra prateleira, voltar, digamos, para onde estava vivendo, ao invés de voltar para onde gostaria de viver realmente: lá fora, perto do mar. E assim, o Mundo sutil ficou um pouco triste, pois sabia que não poderia mais ficar olhando pro amarelo bonito que vira por alguns segundos, e então, resolveu só entender, só aceitar. Afinal, acontecia que o Mundo rude era um bicho perdido, vivendo dentro de um supermercado superlotado de inflações, e de falsificações, e de embalagens. O que poderia fazer? Talvez um dia o Mundo rude sairá do supermercado, ou talvez não, ou talvez só de vez em quando. Mas, enquanto isso, o Mundo sutil vai ficar lembrando de uns sorrisos e outros - porque a beleza foi bela, e foi clara, mas não foi tão forte e tão dolorida como aquela luz violenta que a gente deu o nome de...amor. "
Não é claro, não é escuro. De algum jeito, dá pra ver. E dá pra entender. É só ficar absorvendo a penumbra do jeito que ela vier. Entende?
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