terça-feira, 20 de outubro de 2009

(entre isso mesmo)

São rapazes mordidos de pouco pavor, mordiscados por ela pelas beiradas e cheios de mar, feitos de mar: de perigo estampado. Fuga não falta, então é o velho jogo humano que ela mesma própria sempre odiara, há tanto visto na cara, há tanto tempo notado: de pegar o que presta, de pegar o que - e tão somente - de bom resta, e deixar o que sobra na ponta, jogado no chão feito coisa que não serve pra mais ninguém, e deixa a pessoa pensando que é bem assim mesmo; como será que o fazem? Que mania feia é essa. Pois bem que já os vira, e agora estava bem mais pronta que antes. Não tinha mais esperança, restava-lhe agora apenas o otimismo indomável, e com ele agora se casava e percebia o quão mais forte era.

Hoje, a ela, Sofia, fora um tanto difícil. Roncara muito, sonhara muito, dormira muito, e pouco vivera. Estava pouco sóbria e muito sensata - esquecida das virtudes alheias, centrada no nada cabível a um dia sem ninguém notável, entorpecida pela desistência dos outros que agora já parecia mais fácil de odiar: não era, de forma alguma, parte dela; Sofia não era de desistir.
Fora em parte duro também, aquele bicho rondando sua casa, perguntando-lhe os nomes dos amores, farejando possíveis apelos, querendo expulsar do terreno cercado - onde sempre tivera um espaço, ou que agora conquistava com rebeldia - o seu pé. Estava, sim, acostumada já com o terreno baldio que poucos conseguiam ver, mas de vez em quando doía muito perceber certas sutilezas que de bom grado não são. Pobre palavra torta que disseram-lhe neste dia: "ah é?". Servia pra saber: é, tens medo e nem sabes. Só deram-lhe tristeza assim, dela também já saíra, o bicho, sem querer, e nem ela mesma soube o porquê - só que egoísmos machucam de verdade, por mais que todos já venham com ele desde a nascença.

E o que pode ou pode não ser? Rochas não-rochas são de dar nos nervos. Que percam o fio da meada pra verem; catará ela tudo, e deixará só o remo, o barco, e a água brava, pra que nadem com tanto pavor em direção a ela quanto ela já o fizera - e sempre o faz - em direção aos outros: com amor inacabável. Promessas existem? Mentira essa, ou a de que as pessoas que já haviam-lhe prometido algo é que eram a mentira? Talvez. Tido pelo não tido, uma coisa podia ser verdade em seu pensamento: não queria voltar a ser máscara. Nada que peça vitrine. Nada que peça corrida. Nada que mande-a sair de sua casa contra vontade. Nada. O bem não é assim, não. Nem o mal. Só quem tá na metade e tá cego ainda. Melhor arrumar então melhor desculpa pra enganar um mentiroso também.
Ninguém percebe nunca, mas é o próprio grande grupo que cria seu traidor: quem fica de fora enxerga muito bem o que ocorre dentro, e passa um sem-fim de tempo de olho, reparando nas proezas das pequenezas reveladoras - já que não é convidado a comungar - e depois sabe tudo. E depois não há de haver senhor engenhoso que saiba esconder (não se ele tiver passado todo o tempo dentro junto). Os próximos são outros. Os que vivem á margem. Porque alma pede assim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário