segunda-feira, 26 de outubro de 2009

labuta dura de gente desajeitada

Fome é coisa rabujenta e vem pra grudar e resolve sair mais não; engole sapo, mosca, vento, migalha, tudo que venha de graça e á pagamento também, como não deixaria de ser. Os zóio come, a boca mastiga, o barriga estufa, o peito...apodrece? Assim, se não sacia o faminto, o peito apodrece quase que rápido - só é lento porque a doença é magra e leva tempinho pra matar, pra poder dar uma judiada no meio da estrada. Né? Bichos com fome não tem ragalo de jeito maneira: se arrastam no chão mais sujo que tiver só pra conseguir frutinha gostosa. Óh, pobreza é essa que ninguém nunca disse que haveria? dá é muita dó desses fulanos. Por que há de ser nesse formato? Os arredios não escapam facilmente, só ficam fugindo pra não dar na cara, e são um dos - se não os mais, nénão? - esfomiados, e querendo carne verdadeira, e daí a coisa pega. Daí tem os flagrantes que ficam gritando a vida inteira nos ouvidos dos outros pra conseguir pãozinho, e conseguem é muito, na bem da verdade - e são um tanto egoístas se for parar pra reparar, dá até um pouco de raiva desses daí. E também tem os frios que não sabe-se ao certo se sentem a barriga roncar, mas talvez que não, já que quase nunca vão e pedem arrego. Esses são judiadores, pra mostrar o caso bem de perto. É que pegam uma mão e oferecem com a palma pra cima uma montanha de arroz doce, e depois com a outra mão que tava escondida, vêm e tomam da boca do coitado que comia e saem correndo, deixando só os fiasquinhos pra que lembrem do gosto doce - que logo vira azedo, já que a falta ocorre e a falta é bem nesse sabor. Mas o arroz doce deles deve ter algum veneno ou droga ou substância entorpecente, será? Que diaxo há de ser? Já que quase sempre só o fiasquinho de comida que eles permitiram na boca alheia é bastante pra viciar o pobre de uma maneira agoniante. E ele daí vira escravo do arroz, sai sempre pra procurar igual mas ás vezes é difícil de achar - porque os frios reais são raros também, e ficam escondidos na moita ou mais provavelmente caçando mais fracotes que tenham a sorte de provar-lhes a mercadoria. O pior é que devem fazer meio sem querer - só pode ser. É, dá um negócio estranho pensar que moram dentro do próprio umbigo - porque daí pensando assim começa-se a sentir um ódiozinho agudo e vai crescendo - mas então vem a lembrança do arroz, da parte bonita, do bem feito (porque a comida deles não alimenta pra sempre, mas traz uma certa nutrição nova) e depois desse pensamento todo, o que resta mesmo é amar esses malandros fugidos com a única armadura possível: o desapego.

Os gritantes dão tédio. Aqueles lá que pedem pão a torto e á direito. Ah não, essa mania fula deles dá coisa ruim na gente - ao menos no eu. É que é muito arregalado, será esse o caso? Meio na cara, sem espera alguma, sem nenhum pouquinho de dignidade - e nem piedade? É que quase sempre esse pessoal engana bem, e fica pedindo pra roda inteira sem que os arredios notem, e quando se vê, pegaram todas as migalhinhas existentes e também toda a comida grande - e não pensam em dividir! Mas dizer em alto e bom som que dividem, ah, isso fazem de bom grado. E quando um arredio consegue roubar um nadica de nada que seja, daí o gritante começa a piar e a olhar feio e a se aproximar com graça de pavão pra bicar fingindo que tá beijando - vê se pode! Não é assim não? Ou é maldade de quem tem fome demais pra aguentar boicote? Ah, se não é no todo, é prum arredio aflito cheio de vontade de comer mais carne, sangue, olhos, mãos, braços, bocas e beijos. Tem problema então? É que comer palavra, falatório descabido, ladainha de frio não dá mais, dói mais. Ô bando de friozada, ouçam só: gostariam de fechar um pouco mais o bico, mudar de casa - sair do centro e ir pra favela? - e dar um pouco mais a mão? Ou sei lá, quem sabe abrir só uma frestinha dos olhos pra ver umas coisinhas a mais do lado? Ah, gente, por favor! Que custa? É só um pouco, só pra dividir essa vastidão do'ceis que tá fazendo uns bichos e outros aqui desse lado ficarem doidos. Tá bom? Os arredios vão tentar chegar mais perto então, pra ver se ajuda assim. Vamos tentar tirar a dureza que fizeram a gente pegar, e tirar também um pouco da fúria e defesa e medo e pavor que a gente tá construindo, e também um pouco de síndrome de por-favor-me-aceite-com-esse-meu-jeito-doce pra deixar aparecer um pouco mais do amor verdadeiro que a gente guarda; e um pouco mais de voz calma também. Feito o trato? Ah, sendo sinceros, troca já não é mais bem-vinda nesse jeito de vida que a gente quer né? Os ariscos pedem socorro, é. Mas tá decidido: não vai precisar de troca, não. Quem guia agora é mesmo a leveza, e se der pra vocês darem um pouquinho, bem. Se não, a gente vai arranjar uma forma de se virar. E quem fica com o prejuízo não é o faminto, não. Só pra deixar desenhado na parede que lerão depois, porque hora ou outra, mesmo sem querer, quem tem fome vai em busca de comida, e quem ficou dormindo por pirraça, e que não quis ser incomodado, vê que gente arisca não é de se perder.

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