segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Mão que pegou de leve no braço

Olha o achego de chego, virando a perna de lado agora ou depois, e também no reparo do olho que tá olhando com olho a mais do que o que só olha por olhar: admirando, é sim. Como poderia não ser? Ou é erro grande demais de quem tá vivendo demais e misturando por isso as coisas, ou então é acerto no ponto, bem na linha de quem é apanhador de jeitinhos, por menores que sejam. Bem na hora que Sofia perguntou se podia, o menino já abatido pela calmaria com quase espantaento, disse baixo: pode sim. Daí Sofia aceitou um pedaço da comida, começou a dividir, mas ignorou a parte da piscadela: era mais de seu feitio ser sincera. Então comeu um pouco, mastigou e apreciou a arte de respirar - e de canto, reparando o do outro lado, que vaga sem ver o que talvez esteja visível. A luz estava acesa ainda, e seria melhor se não estivesse, porque dá uma inquietação no peito maior. Mas tudo bem. Então eram três corpos deitados no chão, e a menina não estava muito a prestar atenção no que se passava no filme: como? Se vinha agora á cabeça a velha história das ausências, e distâncias, e covardias, e abandonos, e faltas, e não-laços, e infelicidades? Pois que quase chorou se mordendo de culpa por tecer com a mesma agulha que tanto a machucava, o pano de fundo de outras pessoas amadas: aquela do silêncio e do desaparecimento. Que não deveria ser assim, não deveria, e portanto deveria muito mudar. Mas também não era de fazer sentido atiçar tanto assim a tristeza de alguém, pensava Sofia, "né, mãezinha?". Que estranho era o fênomeno ali observado: uma palavra tocava no fundo da alma da rapazinha, e ás vezes era pra explodi-la de alegria, outras pra enforcá-la de tristeza, e refletia muito tempo então "como será isso tão devastadoramente possóvel? Será mágica de feiticero ou coisa assim?". Então foi passando bem de pouco, quando ocorreu-lhe que não é mesmo muito de direito impor coisas, por mais que se ache permitido. Mas que a culpinha ficou lá com a pobre, ficou sim. E também a velha história das ausências, e covardias e todo o tralálá de quem quer algo, espera algo, anseia por algo, e não tem a coragem de fazer. E ficou mas umas coisas caíram por cima e dá pra aceitar por enquanto - por mais umas horas, pra descanso. E um sorriso vindo de descoberta ajudara também: pois que reparou ela, que as pessoas fazem dança pra acasular. Ora! Pois que perna mexe pra direita e outra perna também, e mexe pra esquera, e outra também, e vão indo junto, se deixar. É que depende: cabe a um começar e ao outro aceitar. Mas parece que Sofia não estava aceitando - era melhor buscar mesmo o querido. É que explodiu nela uma glória de uma poção vindo sussurrar em seu ouvido; é que era gosto brilhante, meio doce, de carinho e de tempo que dava-lhe de presente alegria ao lembrar.

Sobrara-lhe ainda mais uma vitoriazinha ao voltar pra casa - além de ir quando o querido ia, com a sensação de criança guiada e portanto importando-se apenas com nada. Dando "boa noite" pôde encostar, tão somente encostar, o que muito já lhe valhia. Por ela, se pudesse, nunca seguraria a vontade de viver mais de perto, sem se controlar, mas talvez não podia - será mesmo que não? - e essa dúvida e medo matava e ressucitava um pouquinho mais todo dia. Houve ainda um agrado a mais: os olhos sorrindo de dentro mesmo, e trazendo felicidade pra deixar alojada na que recebia.

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