terça-feira, 6 de outubro de 2009

Era já cedo, ou já bem tarde, depende do jeito de quem olha. Sofia notara apenas o azul claro florescendo no céu, vendo-o deixar de ser escuro. E quis por a cabeça pra fora, e deixar o cabelo dançar em par com o vento. A manhã veio nascer. E ela foi deitar-se, já sentia sono...

(Morriam os abraços
E as moças feridas
Levantavam os braços
Pra pedir socorro
Pra fugir do choro
Pra esquecer dos moços)

Esqueceu-se hoje de limpar as janelas, e isso causou-lhe certo desconforto. Sem poder olhar pro outro lado, como manteria-se iluminada? A luz não entrava assim. Precisava manter-se pura, nua, sem colares, sem enfeites; precisava ficar na rua. Ficar de fora.
E esqueceu-se hoje de continuar sendo o que era agora - sem querer deixou alguém entrar em sua casa e mexer nos móveis devagar até que tudo parecesse um pouco diferente. Mas o bom disso, é que arrumou a bagunça logo.
Irritou-se de novo com as fantasias que tantos usavam ao seu redor - e muito pelo que ela própria usava, mas ao menos não podia ver o tempo todo: não era capaz de olhar pra própria testa o tempo todo.
Agoniou-se com as fronteiras. Ah, isso machucou bastante, feriu, queimou, ardeu. Viu-se envolvida no jogo chulo que jogam, viu-se contando mentiras bestas por orgulho mais besta ainda. Controlou-se habilmente - de jeito estupidamente inútil. Não soube onde pisar. Não fez o que queria fazer. Não entendeu o que queriam dizer. Não concordou com nada que lhe mostraram. Não teve eco em seu ser a sobriedade com que tentam viver. Riu de tudo, e nada mais quis falar.
Correu, enfim, para seu lugar seguro.

Houve um choro manso, depois quando deitada sentia o vento no rosto e imaginava o rosto da voz com quem falava. E hoje a voz estava doce, havia dias em que a essência era altruísta, e outros em que era de completo desprezo - mas não era bem assim? Até comentara com a amiga: pessoas bonitas demais, quando feias querem ser, são de forma devastadora - ("As partes desmatadas eram feias como o pecado, mas as bonitas eram especialmente bonitas.") ... e ainda há muito para se falar sobre isso.

Depois, bem no final do dia, houve um toque na porta, que ela de certa maneira já esperava. A presença alheia trouxe-lhe a alegria que precisava, colocou um sorriso em seu rosto e entupiu suas artérias de leveza. Pra dormir bem.

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